14 de dez. de 2008

MANDENGOS 









Havia (só) uma noite de lua minguante

Mínguas de lua para mim

Para que?  

 

Havia um desejo secreto sob aquele sorriso discreto  

Onde estão as estrelas da noite minguante?   

As mínguas esparramam-se como pó

Em fornalhas, 

apodrecem as miudezas...

 

Havia uma noite de lua minguante,

Crescente no sentido vário

Rara gota de esperança 

Para que?

Para despejar o pó em relicário descoberto

Para transpor caminhos, vales,

selvas e mandengos...    


Havia uma história invertida

Um recado, 

uma ponte levando para o mesmo lado.                  

          

...

 Ilustração: Camile Pissarro


1 de dez. de 2008













Para quem curte um programa alternativo, uma boa opção é aproveitar as atrações do VIII Mercado Cultural que acontece a partir do dia 03/12 em Salvador. Vou conferir os shows de Rajery e América Contemporânea no sábado às 21:00h e os de André Abujamra e Fernanda Takai no domingo às 20:00h, todos no palco do TCA. Dê uma olhada na programação musical:

03 de Dezembro de 2008 (Quarta-Feira)

Horário
Atrações
Local da Apresentação
Estado/ País

21h
Letieres Leite & Orquestra Rumpilez
Sala Principal - TCA
Bahia
PercaDu
Sala Principal - TCA
Israel

04 de Dezembro de 2008 (Quinta-Feira)

Horário
Atrações
Local da Apresentação
Estado/ País

18h
Alejandro Vargas Cuarteto
Sala do Coro - TCA
Cuba
19h
Silent Disco com DJ Nico
Foyer do TCA
Holanda
21h
C4
Sala Principal - TCA
Venezuela
Chico Pinheiro
Sala Principal - TCA
São Paulo

05 de Dezembro de 2008 (Sexta-Feira)

Horário
Atrações
Local da Apresentação
Estado/ País

18h
Opanijé
Sala do Coro - TCA
Bahia
Emerson Taquari
21h
Sons da Catalunha: Miquel Gil
Sala Principal - TCA
Catalunha
Jards Macalé
Sala Principal - TCA
Rio de Janeiro

06 de Dezembro de 2008 (Sábado)

Horário
Atrações
Local da Apresentação
Estado/ País

15h
Ronei Jorge e os Ladrões de Bicicleta
Praça Pedro Archanjo - Pelourinho
Bahia
Eletropercussiva
Kissukilas
La Revuelta
Colômbia
21h
Rajery
Sala Principal - TCA
Madagascar
21h
America Contemporânea: Álvaro MontenegroAquiles Báez Benjamin Taubkin Ari Colares Lula AlencarSibaJoão Taubkin Lucia PulidoLucho Solar
Sala Principal - TCA
BolíviaVenezuelaSão PauloSão PauloRNPernambucoSão PauloColômbiaPeru

07 de Dezembro de 2008 (Domingo)

Horário
Atrações
Local da Apresentação
Estado/ País

16h
Sons da Catalunha: Roger Mas
Sala do Coro - TCA
Catalunha
20h
André Abujamra
Sala Principal - TCA
São Paulo
Fernanda Takai
Sala Principal - TCA
Minas Gerais
___________________________________________

Para ver a programação completa, acesse o site do evento: http://www.mercadocultural.org/ .

30 de nov. de 2008


DESVIO

É certo que desfaço
A matéria presa do retrocesso
Transformo a cada passo
Ordens escassas do universo
Segue minha alma tranqüila
Esquivando-se do arranhão profundo,
Espinho espetado no osso
Urgente jaula aberta


E de fora permaneço
sem remorso.

Márcio Jorge
ilustração: Marc Chagall

16 de nov. de 2008

Karel Appel

CONTORNO

Parece confuso
Albergar os pensamentos mais límpidos
Ando no nebuloso leito do preciso
E o desgosto degolado
É deveras escondido.

Peleja grata
Por mais ambígua que pareça
Sou alvo de mim mesmo
Salvo, o que não vejo.


Márcio Jorge


2 de nov. de 2008

Salvador Dali

HORAS CERTAS

Visito os fatos aqui presentes
Solto, ainda estou para gritar
Buscar o caminho revolto
Decifra as coisas guardadas
no paiol do tempo de guerra santa.

Da varanda, visito as horas que precedem
acontecimentos avulsos:


A escuridão e o gozo,
O amor degustado com requinte,
Luas, constelações, delíquios e um céu de poesia,
A selva e a barbárie,
O jornal pingando sangue no corredor de casa,
A correspondência violada,
O cigarro, a cigarra, os arquivos empoeirados,
A oferta da mão em falta!

Continua o tempo de sentimentos falecidos,
A história conduzindo ao crime,
Muros de concreto separando os líquens,
Perdeu-se a simbiose?
São horas certas para desaguar o rio sujo,
o caldo sujo, a fonte indesejada.


Visito a cidade ao som das melodias:
Assovios de balas,
Cânticos de fiéis,
Cantigas de roda,
Funks de guetos,
Reggaes de Marley,
Choros de fome,
Sinfonias de Bach,
Batuques, batidas, bandolins...

Se é certo,
Ou mero desatino
Espalho-me pela madrugada
Ser inocente,
É viver sem destino.

Márcio Jorge

19 de out. de 2008

OUTRA VEZ

Amanheceu,
Como tão livre sonho
Estende-se até agora?
Foi-se então
Como já fora
E como já voltara
É realista o fim surreal
Fecho as janelas
Fortes e corajosas
Ultrajam a luz do sol
E não deixam refletir
O fim nem o começo
É provocante
É indecente

É apenas outra vez...



texto: Márcio Jorge
ilustração: Joan Miró


7 de out. de 2008


AÇOITE

Cândido Portinari


A noite extravasa o meu verso,
A ira trafega em veias suntuosas.

A palavra invade o meu silêncio
E os capilares ordenham o sangue
Em cada esquina que se ouve as baionetas
Ou serão meros torpedos?
Quem apostará?

O açoite não veio da noite
Mas de um dia claro

Por demais claro...

Márcio Jorge

28 de set. de 2008

Paul Cézanne

OBSERVANDO

Na terra
Criou-se a raiz
Surgiu um tronco cascudo
Com folhas, flores e frutos
Quem percebeu?
Será que só eu?

No céu
Juntaram-se as nuvens
Caiu a chuva
Que molhou o terreno esquecido
Onde rola a roda
Pelo leito do rio seco
Quem percebeu?
Será que só eu?


Márcio Jorge


21 de set. de 2008

OH, MINAS GERAIS!
Ontem estive presente em mais um pouso do 14 Bis em Salvador. Fazia tempo que a banda mineira não aterrissava em solo baiano e a nostalgia tomou conta do sempre agradável Teatro Castro Alves. Todos pareciam ansiosos por uma bela apresentação da banda que marcou época nos anos 80 e continua emocionando novas gerações. Com poucas canções novas no roteiro do espetáculo, o show iniciou com a deliciosa música de Milton Nascimento e Fernando Brant Bola de Meia, Bola de Gude e continuou apresentando grandes sucessos como: Todo Azul do Mar, Espanhola, Caçador de Mim, Natural e Canção da América. Um dos momentos mais emocionantes foi quando Cláudio Venturini lembrou o inesquecível Renato Russo, cantando Mais uma Vez e quando interpretou Planeta Sonho, levando o público ao delírio completo. No final do bis, a galera não agüentou ficar nas cadeiras e desceu para perto do palco, onde todos cantaram com a banda o clássico Linda Juventude, encerrando mais um capítulo especial do 14 Bis na Bahia.

Tenho uma identificação forte com Minas Gerais e devo confessar que a música mineira é uma das responsáveis pela formação desse elo, que não sei direito como e quando se originou. Morei 3 meses em BH, mas muito antes já sentia algo diferente pela cultura mineira. Recentemente, em uma das minhas viagens musicais, redescobri uma obra-prima da MPB, o cd CLUBE DA ESQUINA 2, digo redescobri, porque não lembrava como é simplesmente genial esse trabalho, sem dúvida, um dos maiores registros musicais de todos os tempos. Comentei com o meu grande amigo Uber, que por coincidência (ou não), justamente antes do nosso papo, andou cantarolando em casa uma das músicas dos mineirinhos. De Minas posso citar diversos talentos que admiro bastante, mas Milton Nascimento é o que podemos chamar de sublime, ESPETACULAR! Bem, fico a espera de outros grandes momentos musicais como o show do 14 Bis e termino este papo baiano/mineiro com doces palavras do poeta:

“Mas quem ficou, no pensamento voou
Com seu canto que o outro lembrou
E quem voou, no pensamento ficou
Com a lembrança que o outro cantou...”
Milton Nascimento

15 de set. de 2008

foto: Stella Alves

CADA OUTRO

Estou só,
Não acordei a lua de sono profundo
Não tirei estrela alguma para dançar
O que faço nessa noite de solidão,
se não despertar para mim mesmo?


Encosto a cabeça num canto qualquer,
Espero a chegada de outros,
Que há tempos não aparecem
para uma visita infinda
Cada outro que sai deste corpo agora,
já trouxe a chave que preciso
As portas , finalmente, são abertas
Deixo cair o manto num gesto delicado
Tantas possibilidades de ser,
é o que emerge dessa “desclausura”.

Ser nuvem, sol, chuva, o gosto agridoce da vida,
Ser galho, fruto, folha, clorofila
Ser a transparência do amor completo,
o retrato idolatrado pelo tempo
Enfim, transformar?
Ser ninho, ovo, asa,
ser somente PASSARINHO.


Márcio Jorge

7 de set. de 2008


MÍSTICO


Sob a noite mansa
Cansa estar sob
Palpitante preguiça de levantar o manto
Nem a cobiça
Por um ínfimo minuto
Vestiu a arrogância
Deixando assim,
Perdida a vontade
Que continua sob...

texto: Márcio Jorge
ilustração: Aldemir Martins

22 de ago. de 2008


POR UM MOMENTO

Quanto do mar já servi,
Para abrandar o que agora aparece como dor?
Mas, quanto da rosa levarei,
Para desfazer a enorme intenção de chorar?


Estar preso à vida como numa jaula
E perder o foco das reentrâncias

Faz do silêncio, uma longa trovoada...
Beira de mar, peixes de cor

Leito de rio, brilho de barbatanas
Água, água, água...

Pé de avenca na janela,
Pé de tudo no pomar
Bicho no colo, bicho no pé
Terra, terra, terra...

Quanto desse mundo ganharei,
Para desafogar quem de dentro berra?
Um pássaro sem gaiola,
Um soneto de Vinícius,
Uma espada de Ogum,
Um amor no coração.

Entre canções de ninar,
A boca amarga, CALA-SE!


texto: Márcio Jorge
ilustração: Pablo Picasso


2 de ago. de 2008

TRANSFORMAÇÃO

foto: Pierre Verger

Uma porta se fecha, enquanto uma janela se abre à sombra de um novo cometa. O sentimento que devora é o alicerce de almas. Como se não bastasse a feição súplica dos heróis, agora toda conduta se justifica perante a dissolução do imperioso planeta. Não adianta o grito mouco, a carabina apontada para os próprios miolos, o pugilato na vitrine constitui o desfecho. Quem irá nos redimir? O verme rasteja intermitente pelo deserto, a areia movediça atiça, desconstitui o verme, o vírus, a moléstia... É tempo de magos e estrelas, da vida mística, sem complemento.

Márcio Jorge


26 de jul. de 2008

Georges Rouault

ABRAÇO DE UM POEMA

Antes de tudo,
Coragem!
Para sei lá o quê
Hoje,
Só esse resto de palavras na boca
No poema que me abraça
Enquanto a noite extravasa
E alucina a rosa murcha
No frio que retalha
Em pleno fogo farto,
Açoitando a cicatriz tatuada
Na mão estendida
Frouxa e viva
Morta de cansaço.

Márcio Jorge

28 de jun. de 2008

Papo de Cinema

A CULPA É DO FIDEL – FRA/ITA (2006):

A vida de Anna de la Mesa (Nina Kervel-Bey), uma garotinha parisiense de 9 anos, sofre uma profunda transformação quando seus pais resolvem aderir a luta comunista e atuar no movimento para eleger Salvador Allende presidente do Chile. Com a vida pelo avesso, Anna enfrenta uma nova realidade e passa a entender o mundo de outra forma. Sensível, inteligente, questionador e bem-humorado, A Culpa é do Fidel mostra a trajetória emocionante de uma família européia que vive intensamente as reflexões filosóficas e as revoluções políticas da década de 70. Como se não bastasse a interpretação maravilhosa de Nina Kervel-Bey, o filme nos remete a uma avaliação de valores e ideologias, que faziam parte de uma época, na qual o exercício da solidariedade e a confiança em alguma forma de justiça social ainda era possível. Márcio Jorge

Direção: Julie Gavras.

Roteiro: Julie Gavras e Arnaud Cathrine, baseado em livro de Domitilla Calamai.

Elenco: Nina Kervel-Bey (Anna de la Mesa), Julie Depardieu (Marie de la Mesa), Stefano Accorsi (Fernando de la Mesa), Benjamin Feuillet (François de la Mesa), Martine Chevallier (Bonne Maman), Olivier Perrier (Bon Papa), Marie Kremer (Isabelle), Raphaël Personnaz (Mathieu), Mar Sodupe (Marga), Gabrielle Vallières (Cécile), Raphaëlle Molinier (Pilar), Carole Franck (Soeur Geneviève), Marie Llano (Anne-Marie), Marie-Noëlle Bordeaux (Filomena).

Duração: 100 min.

Imagens:





23 de jun. de 2008



MUNDO

Já se conhecia os soldados mucambos,
As balas perdidas,
O extermínio de anjos.

Já se conhecia o corpo blindado,
A chuva ácida,
O escudo queimado.

Sepultada a consciência,
Abrasivo é o alcance da náusea,
O inseto amiúde,
A muleta, a matilha, a muralha...

Já se conhecia o berro do bélico,
A camisa de força,
A hora da síncope.
Deslize, disfarce, desdém?

Calado o silêncio,
Zoeira é furo no feltro,
Hieróglifos em braille,
Uma rosa no asfalto.

Já se conhecia os templos sagrados,
O chão de esgoto,
O fundo do poço.

Já se conhecia as florestas nuas,
A súmula do jogo,
O sumo do boto.
Verdade, suborno, saudade?

Julgada a sentença,
Justa é a lâmina cravada no ócio,
O beijo na íris,
O cheiro, o cio, o sexo...

Já se conhecia o medo,
O transe do trauma,
A guerra, o plágio, o plano...

Trancada a porta,
Resta a lembrança,
A morte jurada,
A vulga esperança.

Já se conhecia o mundo
E o seu dia-a-dia...

Márcio Jorge

Curta Poesia

Salvador Dali

NA ILHA

Barco à vela
que me traz hoje
Um náufrago à deriva
numa ilha perdida,
Cheia de mim.



ERRÂNCIA

Na boca um chiclete vencido
Mascado com indiferença
Corrosivo sabor de hortelã
Ah! Ainda gruda este grude
Boca, palato, língua
(língua espremida)
Gruda.

Tudo se desfaz nessa tarde vazia
E um tiro a esmo atravessa a cidade
Com imensa contemplação.



PASSO A PASSO

Atenção,
Para o que quer dizer,
para o que quer saber,
Para o que quer querer,
para o que NÃO vai fazer!

Atenção,
Para qualquer buraco no chão!


Márcio Jorge



9 de jun. de 2008

Sobre os Comentários

Agradeço muito aos amigos pelo carinho demonstrado através de e-mails e comentários postados no próprio blog. O eco das nuvens é um espaço para textos, reflexões, fotos, dicas e muita poesia. Espero que continuem visitando e compartilhando comigo a trilha da palavra.
Beijo a todos! Márcio.



Veja quem já leu e ouviu o eco das nuvens:

Querido Márcio. Hoje, mais do que nunca, sei que o que dá sentido à vida é o amor. É o amor que produz o aconchego do mundo.Sinto-me feliz por fazer parte da tua vida e partilhar contigo os teus versos. Um grande beijo. Flávia

Caro Márcio, neste mundo de sísifos, que se compõe como tela diante dos meus olhos e que me compõe como carne inquietamente desejante, sempre me emociono com novas descobertas. O vate que se escondia por trás da cortina de timidez ou discrição que ora se mostra à flor da sensibilidade neste blog de muitíssimo bom gosto me causou essa emoção, esse espanto que limpa os olhos condicionados e remove a oxidação da sensibilidade. Me enche de alegria poder ler coisas boas de pessoas tão próximas... Há braços! alan machado

Marcio,
Seus textos são lindos e expressam a verdade
Flávia é uma pessoa muito especial!

Fico feliz em tê-los como amigos. Um grande abraço para vocês. Anairam e Líris

Marcinho, já visitei seu blog. Está maravilhoso! Você é de uma sensibilidade indescritível! Vou continuar visitando e divulgando!
Beijos, Paty

Marcinho,
Amei seu blog. Sempre surpreendente, bem pesquisado, lindas poesias, amei as fotos de Flávia. Tentei enviar um comentário, mas não consegui. Vamos almoçar amanhã?
Dena

Oi Marcinho, também achei muito legal seu blog. Muita luz para você.
Bj, Alê.

oi querido,adorei seu blog tá lindo!!! e suas poesias então...saudades. bjs rê.


Márcio,
Achei seu blog lindo! Gostei do da Flávia também. Sucesso e muita criatividade para vc, colega.
Godoy


Marcinho, demorei mais visitei o seu blog, e é claro... eu já sabia que encontraria algo tão bonito e especial como você, parabéns garoto, continue com seus sentidos ligados ao eco do mundo! Um beijão para você e sua Flavinha! Sara


30 de mai. de 2008

obra de Henri Matisse

Evidência

Não afundes a viga,
O mago,
A liga que te unes à orquídea
Se é mistério o que te afronta,
Pronto!
Eis aí um labirinto
Haverá dias, noites
e um tanto de minutos
A raiz, então, procuras
Abre-te a porta.

Márcio Jorge

UM DIA, UM SONHO...
para Flavinha Oliveira










Era como se não fosse,
A expressão nítida da condição humana
Do jeito que entrara
Parecia, sua presença, infinita e traiçoeira
Como naja,
Preparando o bote

Como grão,
Compondo um castelo de areia.


Era como se fosse,

A forma exata do delírio
Gravura essencial
Vista de aquarela
Da raiz ao semblante de neve.

Era como se fosse,
A estrada de volta
O contorno secreto da margem inexistente


Eu,
Festejara feliz a descoberta
Marchando firme e sem rumo
Contemplando até o fim do dia,
um SONHO.



texto e fotos: Márcio Jorge



29 de mai. de 2008


A MARGEM DA SOLIDÃO

Pobre casulo disforme
Moribundo, faz-se do fio
que tece a solidão

Pobre noite sem luz
Lânguida, faz-se da sombra
que contorna a solidão

Pobre solidão ofegante
Mórbida, desfaz-se num confortável dia
Sem dor.


Márcio Jorge

obra de Paul Cézanne


28 de mai. de 2008

Na Ponta da Língua

ÍNFIMA ODE AO POETA ESSENCIAL
para Manoel de Barros
Mergulho profundo no raso do fundo
No fundo, no fundo
As insignificâncias levantadas aqui,
Não estão no fundo.
O canto das cigarras está em algum lugar,

No raso?
No fundo?


A goiaba na beira do rio
Faz voar as mariposas,

O raio do sol nascente
Faz chegar os passarinhos,

A formiga no meio do tronco
Faz a paisagem completa,

A falta de assunto
Faz o poeta acordar de sua inexistência.

Como é bom deitar na rede,
Suspirar de preguiça
Ser a grandeza da poesia ínfima
No fundo, no fundo
Abracemos o mundo!

Márcio Jorge


foto: Márcio Jorge

27 de mai. de 2008




O BREJO

Tudo foi para o brejo!
E agora?
Rales, barangas, barões,
mendigos, patrícias, maurícios,
Napoleões...

A trêmula flâmula
Esquecida no mastro
É farrapo,
imperceptível.

Tudo foi para o brejo!
E agora?
Famintos, magos, reis,
telúricas, carmelitas, canálias,
Xiitas...

A lama na cama
Nunca foi tão comum
O trono vazio
Ah! Este sim,
perceptível.

Tudo foi para o brejo!
E agora?
Espertos, casados, solteiros,
sortudos, otários, gatunos,
Celibatários...

A lata no meio da rua
O cisco no olho
O alvo incerto
e o lixo continua na lata.

Tudo foi para o brejo!
E agora?
Poetas, pivetes, palhaços,
vassalos, casais, bichas,
Comensais...

O ruído devora a melodia
Esta, sem alforria
É litígio,
inconcebível.

Tudo foi para o brejo,
Até a vaca.

26 de mai. de 2008



CADEIRA DE BALANÇO

E do toque
Fez-se o movimento
E
da luz
A clareza da sombra
Entre versos e palavras
Balança a cadeira do tempo...

Márcio Jorge

TRIBOS

Aqui,
Como lá
As mínguas restantes são iguais

Há tempo perambulam pelos escombros
E não ouvem o ruído discreto
Da última lágrima cadente,
Roubada
E escondida sob a pétala mordida...

Márcio Jorge