25 de dez. de 2022

PEREGRINO        

 

Escrevo-me

entre mundos

que há tempos

procuro desvendar

 

Leio-me

nos passos que deixei

marcados

em cada degrau

que construí (já foram 50)

 

Procuro-me

na linha do tempo

assim

como um felino

em novelo de lã


Encontro-me

mais antigo

com mãos de colher vento

e pés de subir colina

 

Aprendo-me

ansiosamente

até o poema

chegar


1 de set. de 2022

 POEMA EM CONSTRUÇÃO

 

 Com que verso começarás o poema?

 

Pergunto com o cinismo

de quem sabe o que te roubou

se já sentiu falta

das palavras que perdeste no beijo

melhor não deixar a noite acabar

tenho frases espalhadas na boca.

 

Com que verso terminarás o poema?

 


22 de ago. de 2022

SEMÂNTICA                  

 

Entre palavras

 

Ofereço-te:

amalgamarCIO

 

Serve?

 

TERAPIA

 

É difícil refazer

as arestas deste mundo

imperfeito

 

Movo-me parado

na cela dos dias

 

Torço pela luz

que vem do sol

do poste

ou dos vagalumes


Há um erro

para cada acerto

encontrado

 

Há um divã

para cada angustia

que tece a mente

 

Há de existir também

um veleiro

que transporte para longe

a solidão 

de um náufrago


OLHOS FECHADOS

 

Doem-me os olhos

não foi cisco

que entrou

nem a secura habitual

da síndrome

 

Hoje o colírio

não bastará

só o apagar

do dia


20 de ago. de 2022

Transbordamentos de um corpo-mar

 

Eu sei

esse mar

que transborda

da tua pele

tem cheiro de agora


Já não basta o verde

o sal

a onda

que desagua

na brancura

da areia

 

Eu sei

esse mar

que transborda

da tua pele

já chegaste

até aqui


19 de ago. de 2022

 MAPA

 

No mapa

Vi o tanto de lugares

Que não passaram por mim


No mapa

Vi o mundo inteiro

Ao meu redor


RELÓGIO

 

Na urgência do tempo

descobri nas pedras

o mistério da pureza

cometi os erros do futuro

atravessei a fronteira

do mapa invertido


Na urgência do tempo

mergulhei na onda de sal

colhi as pétalas

que pularam do caos

enterrei o último espinho

da rosa


Na urgência do tempo

não percebi quem olhava comigo

mais um pôr do sol



7 de ago. de 2022

FUTEBOL

 

Você deixou a bola

na marca do pênalti

assim como um craque

mandei para as redes

percebi o teu rosto em assombro

e a decepção inexplicável

por causa do gol

não esperamos o apito final

e o jogo acabou

sem vencedor  


FOTOGRAFIA

 

Nuvens atravessam o céu

um tanto pintado de noite

abre-se para fotografia.

 

Fim de tarde

prepara o caminho

para quem se põe...

 

O sol agradece

o tom laranja da estrada

e como cortejo

promete voltar.


18 de jul. de 2022

POEMA PARA UMA NOITE DE INVERNO

 

I

 

Era uma noite de inverno

rua de mão única

e o pensamento também era único:

procurar a pista certa

para o desfecho final!

 

II

 

Na verdade

queria encontrá-la de novo

saber como apareceu e fugiu

em meio aos destroços que havia lhe deixado

nada tinha nas mãos

nem sabia o que iria dizer

caso a encontrasse naquela rua novamente.

 

III

 

Já era tarde para manter a esperança

mas o tempo pouco importava

na história que se construía

então, apurou a mirada

e finalmente sentiu um vulto

que passava por ali.

 

IV

 

O que iria fazer afinal

se não tinha sequer palavras para explicar

o quanto desejava aquele reencontro?

 

V

 

Foi se aproximando devagar

Assustou com os ratos fuçando sacos de lixo

suou frio, as pernas tremeram

mas na hora derradeira

lembrou que sabia de cor

todos os versos de um poema de Leminski.  



PASSANDO O TEMPO

 

Essa ideia de escrever poemas

me faz perder (ou ganhar)

todas as horas do dia

todos os dias da semana

quiçá todas as semanas do mês

 

               mas, em que ano estamos?  


16 de jul. de 2022

 HOMOTIPIA

 

Despois de me esquivar

das armadilhas dos dias turbulentos

vi a ventania que trago nas mãos

ocultar-se no bolso da frente como brisa

mesmo com ameaça de temporais

criei a soberba do disfarce

e como bicho-pau

viro graveto também.


REVELAÇÃO

 

Ainda sim

vencemos o soluço do dia

as sirenes estridentes

os carros estremecendo o asfalto

 

Ainda sim

vencemos a falta de tempo

de espaço

de convencimento

 

Ainda sim

vencemos o murmúrio da noite

a bomba de hidrogênio

os homens construindo o medo

 

Ainda sim

vencemos a falta de saída

de pegadas

de estradas

 

Ainda sim

        vencemos


PROCURA

 

Em ti,

vi você e eu

 

Em mim,

vi você e eu

 

Em nós,

onde

te vi?



22 de mai. de 2022

TERREMOTO

 

De dentro pra fora

leveza de pássaro

 

De fora pra dentro

sinal de terremoto

 

Assim

sangrou meu silêncio 


25 de abr. de 2022

POEMA CONCEBIDO EM RETRATO DE RIO

                                         para Manoel de Barros (mais uma vez)

 

Manoel se deitava

na beira do rio

e se fazia de peixe também.

Pouco a pouco

curiosas formigas

chegavam para vê-lo

com escamas e nadadeiras

na generosa linha d’água

que se movia pelo leito afora.

Passarinhos afinavam seus cantos

e traziam para o encontro

um repertório de melodias sagradas

besouros e joaninhas

já esperavam pela liturgia.

Debaixo da turva onda do rio

a poesia continuava entrelaçando sonhos

e Manoel nadava tranquilo.

 

ESCALADA

 

Em lugar

de lua alta

cantos noturnos

celebram

a escalada.

 

Eu

do topo

da montanha

imaginada

ao sublime

abraço

de uma estrela.


21 de abr. de 2022

FLAGRA

 

Na branca manhã

da paisagem

 

Não pesa a vida

como tanto antes

 

Sigo-me

como folha

lançada ao rio

 

Deslizo-me

em águas doces

 

       num belo dia para existir.      

 

20 de abr. de 2022

IMPULSO

 

Não faltou atear fogo

perder a cabeça

perder os sapatos

perder o tempo

perder as canções

de relaxamento

perder, perder, perder...

 

Abdicou da palavra

que nem sequer chegou

a riscar o horizonte

da ilusão.

 

Há dias

que de repente sabemos

que o cedo

já é tarde demais.


19 de mar. de 2022

ALDRAVIA I

 

entrelinhas

descubro

você

sujeito

oculto

indefinível    


ALDRAVIA II

 

barco

     segue

        mar

           horizonte

             alma

                porto


ALDRAVIA III

 

como

filme

foi

feliz

no

final


18 de mar. de 2022

 A ARTE DO AMOR  

 

A noite ilumina

teu corpo emoldurado

como obra de Dali

 

Surreal

tua boca colada 

na minha

 

Tua pele unindo ilhas

dentro do meu

oceano