UM INSTANTE
Sou das ondas
Que atravessam caminhos de areia
Sou do vento
Que chega devagarinho
Só para refrescar o tempo
Sou momento
Um instante que se condensa agora
Como gota de oceano
Fazendo-se nuvem.
...
ilustração: Theo Van Rysselberghe
CENTENÁRIO DE CLARICE LISPECTOR
A literatura brasileira é formada por grandes autores e autoras que compuseram as diversas escolas literárias ao longo do tempo. Do movimento modernista brasileiro, Clarice Lispector foi uma notável representante, sendo a brasileira mais traduzida no mundo e sua obra publicada em 40 países. Na verdade, a romancista, contista, cronista, tradutora e jornalista (que sempre se considerou brasileira) nasceu na Ucrânia em 10 de dezembro de 1920, mas chegou ao Brasil com a família aos dois meses de idade.
Na semana em que se comemora o centenário da genial escritora, lembro quando conheci, ainda adolescente, o precioso universo lispectoriano através do livro “Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres”, oferecido por um grande amigo que já era apaixonado pela autora. O mergulho intenso nos conflitos psicológicos das personagens Lóri e Ulisses, trouxe-me a literatura intimista, que reflete profundamente as angustias da existência humana. Foi uma descoberta impactante, que me fez explorar ainda mais o mundo literário de Clarice, com a leitura de tantos livros maravilhosos como “A Hora da Estrela”, “Água Viva”, “Laços de Família”, “Felicidade Clandestina” e “Perto de um Coração Selvagem”.
A literatura de Clarice é contundente, atemporal e essencial, uma transformação contínua para quem segue o caminho de dentro e percebe o quanto ainda se tem a descobrir. Nos próximos séculos, continuaremos perto do coração selvagem da maior escritora brasileira de todos os tempos.
Parabéns Querida Clarice!
A Festa Literária Internacional do Pelourinho – FLIPELÔ acontece de 09 a 13 de dezembro de 2020, com a realização de mesas de debate, saraus, espetáculos lítero-musicais, contação de histórias e oficinas. O evento será totalmente online, sendo transmitido pelo canal www.youtube.com/flipelo. Vale a pena conferir a edição especial dessa grande festa literária de Salvador!
QUANDO UM POEMA NASCE
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O poema emerge muitas vezes
Do olhar que acompanha o voo
De um singelo passarinho
Mesmo sem saber
Aonde aquele pequenino ser
De tanto encantamento irá pousar
Pode surgir também do nada
Da total falta de assunto
Dos temas encobertos de agonia
Das horas de amor e de alegria
Ou da tal vontade de se ver nas palavras
Ou de se esconder no meio delas
Sem pudor algum
Ah, o poema pode estar na lua
De qualquer noite
No sol
De qualquer dia
Na chuva
Na rua
Na cama
Hum...
O poema pode estar sim entre os lençóis
Da forma mais depravada possível
Por que não?
Quando um poema nasce
Não há festa de comemoração
Não há parabéns
Nem tapinha nas costas
Há silêncios...
É como se algo misterioso fosse desvendado
Mesmo deixando muitas dúvidas
Pairando no ar
Ou nos versos de outro poema
Que já começa a se formar
De novo???
Assim a história continua
Não tem discussão
O poema impõe sua presença
Desconstruindo a zona de conforto
Adentrando as profundezas do íntimo
Com o álibi mais que perfeito
Achou pesado?
Nem adianta questionar
Que o poema não precisa de argumentos
Só de sentimentos
Não importa qual será a personagem
Nem se fará sentido no final
Se um poema deitar na sua rede
Não se apavore
Acorde, respire
Abra bem os olhos
E receba o que te foi ofertado
Deixe chegar lá no fundo
Mas se preferir pousar lá fora
Acomode-o do mesmo jeito
Depois de uma boa dose de carinho
Escute como se fosse música
Distribua como se fosse refeição
Cumpra como se fosse promessa
Reze como se fosse oração.
...
Ilustração: Eduardo Kingman 
 
Não pode sair agora?
Guarde o sol que te ilumina
Em cada passo que te leva ao mar
Não pode sair agora?
Guarde o sorriso da lua que te governa
Nesses tempos tão difíceis
Não pode sair agora?
Guarde a terra
Onde a árvore se acomoda tranquila,
A chuva se infiltra devagarinho
E a raiz se espalha
Para esconder seus desejos
Mais profundos...
Não pode sair agora?
Guarde esse azul de céu
Que abraça as estrelas bailarinas
Guarde no seu baú de histórias,
Na sua estante de livros,
Na sua última gaveta
Sem cadeados
Guarde!