A palavra “deserto” é muitas vezes dita ou
escrita, principalmente em poemas, para definir um local não aprazível ou um estado
de espírito não muito interessante. Devo contar que não falarei aqui do deserto
da alma ou do coração ou mesmo do árido deserto de sol escaldante, daquele que
racha a cuca de tanta quentura. Como
começar este papo falando de um lugar que traz em si uma antítese do seu
próprio significado literal? Talvez não seja simples comentar sobre as obras
grandiosas da natureza, aquelas que transformam homem feito em criança
inocente, desesperada para conter nas próprias mãos o encanto de tamanha
beleza.
O Deserto do Atacama, situado ao norte do
Chile, é algo assim comovente, místico, imponente, arrebatador desde sempre.
Diferente do que se imagina, o Atacama é formado por diversos cenários naturais,
onde se encontra lagunas de água doce e salgada, vulcões, esculturas de pedras,
cactos, dunas, gêiseres, salares, cavernas, oásis, cânions, além das lhamas,
vicunhas e flamingos. Tudo é exageradamente belo e a força da ancestralidade
indígena pode ser sentida em todo lugar. Sabia desde o início que não seria
apenas uma viagem, mas sim, uma experiência capaz de provocar reflexões
profundas sobre a forma de ver e sentir as agruras e alegrias dessa vida.
Chegar a San Pedro de Atacama foi o ponto de
partida para mergulhar no universo de mistérios e poesia que este
santuário pode proporcionar. Um vilarejo
aconchegante que nos envolve totalmente com a leveza disponível em cada canto a
ser descoberto. O vai e vem dos visitantes de toda parte do mundo forma a
dinâmica tranquila das ruelas abarrotadas de existências. Um dia após a minha
chegada, já passado o ligeiro mal estar da altitude, pude perceber que algo
muito especial estava por vir, então, segui os caminhos que me levaram para o Vale
da Morte, o Vale da Lua e a Cordilheira do Sal. Esta região foi explorada
pioneiramente pelo padre e arqueólogo belga Gustavo Le Paige, ainda no século
passado. Na geografia destas paisagens
deslumbrantes, tudo impressiona bastante, como as esculturas de sal, as crateras do solo (que fazem lembrar a
superfície lunar e nos remete a um filme de ficção científica) e as estranhas
formações rochosas modeladas pela ação erosiva da água e dos ventos. No topo da
duna maior, no Vale da Lua, o pôr do sol oferece aos aventureiros uma vista de
perder o fôlego. Enquanto o sol se põe, as cordilheiras vão mudando através da
variação das cores produzida por mais um espetáculo natural, que arranca
suspiros, lágrimas e aplausos de quem estiver assistindo. Confesso que comigo
não foi diferente!
Entre os diversos roteiros propostos, outro
passeio interessante foi o Salar de Tara, a quase 4400m de altitude na Reserva
Nacional dos Flamingos. Um dia inteiro de muita contemplação. As paisagens
também são impactantes e a variedade de imagens incríveis entorpece. Pode ser
possível apreciar vulcões, oásis, esculturas colossais, bichos, neve, sol, céu,
tudo está lá. Mas, apesar de tantos momentos impressionantes, ressalto a
sensação que tive na pequena praça de San Pedro. Sentado num banco de pedra, vi como aquele
lugar acontecia em seu ritmo de coisa quase sagrada. Tinha sim, uma atmosfera
cosmopolita por causa dos tantos visitantes que já citei, porém, a interação
com os atacamenhos que compõem a identidade do “pueblo” era o que mais me chamava
atenção naquele instante. Claro, como em quase todos os vilarejos, onde o
turismo está presente, na maioria das vezes os nativos não são evocados para o
patamar que merecem. No entanto, naquela pracinha serena, senti uma harmonia
que me fez acreditar, por algumas horas, que ali a energia fluía para um mesmo ponto
de convergência. Então, preferi o silêncio, a alma farta e a enorme vontade de gritar:
¡ Muchas Gracias !
..........
(fotos: Márcio Jorge e Flávia Oliveira, Deserto do Atacama - Chile)
Um comentário:
Muito legal.
"J"
Postar um comentário