30 de abr. de 2018

A FORMAÇÃO DE UM POEMA





















Quero sim
Escrever um poema
Que não fale somente
Das rosas
Mas que faça o tempo
Embriagar-se!
Quero sim
Escrever um poema
Entre tantas chagas
Que se abrem
No mundo
Outra voz de vento
Soprará no rosto
Das palavras
O som do riacho singelo
Atravessará despenhadeiros
E pousará suave no papel
Quero sim
Escrever um poema
Pensar calmamente
Na vida embalada
Pelo silêncio
E desejar o veneno secreto
Das inquietações
Quem chora a solidão
Sozinho no escuro
Saberá também
Do veneno depositado
No seu próprio baú
De labaredas  
Quero sim
Escrever um poema
Sem imitar a dor
Do desespero
Compreendendo os mares
Que não naveguei
E as pedras deitadas
No chão
Mas o fardo que pesa
Constante
A memória logo descarrega
No vale, na vala
Ou no chapadão
Alarido na janela
Ora se conclui
E o canto esperado     
Dos passarinhos
Adormece as ventanias

Quero sim
Escrever um poema. 

...

Ilustração: Sergey Solomko
  

18 de abr. de 2018

O MISTÉRIO DO REINO DAS MIUDEZAS





















Se for pra escorrer entre as pedras aveludadas  
Que siga para dentro das águas
Se for pra nascer das raízes emaranhadas
Que brote como flor de esperança
Se for pra clarear o dia
Que desça como raio de sol.

Coisa que não se evapora
Inspira o movimento
Traz a arte para dentro
Imenso passo de joaninha
Que surja então das miudezas
Se for pra ser você.  

...

Ilustração: Paul Klee
  

13 de abr. de 2018

VARAL

foto arte: Márcio Jorge

















Lá de fora 
Vou te escutar
Claro que sim 
Não me diga
Que não!

Lá de dentro
Você vai cantar     
A canção para (se) expandir
Demora não
Deixa passar o céu
Deixa cair no mar
Pare o mundo agora,
Vai sem respirar!

Põe no meu varal o teu sorriso
A tua forma de dançar as primaveras
O teu deslize comedido
A hora de desvendar as tuas quimeras.

Lá de fora
Vou te escutar
Voando sobre a estrada
Já bem perto de chegar.


10 de abr. de 2018

DO LADO DE CÁ 

Rufino Tamoyo
















Mergulho-me
Até o resgate              
Do raro sabor     
De ser leve

E de leve                         
Aprofundo-me
Novamente
Em distração

Apago-me
Como luz de lamparina
Salto sem rede
Olho de furacão.     



8 de abr. de 2018

O MUNDO NOSSO DE CADA DIA


Wilfredo Lam
















Uma poesia ácida
Para derreter o corpo da mágoa
Tanto tempo parece perdido
Com tanto caminho já desvendado  

Pena que não é lenda
O que fizeram na corte
O que jogaram mil vezes
No peito dos revoltados
O que aprontaram neste país

Nada mais resta
Do vigor da mão levantada
Do sentido da palavra vitória
Do saber das constelações

Soa estranho ficar aqui
O mundo acabando agora
E a linha do tempo escrevendo
Mais um recomeço   
Para chegada de um novo final.